Carros adaptados são usados como armadilhas para flagrar fraude de combustível
Carros com tanques adaptados estão sendo usados para descobrir fraudes em postos de abastecimento.
O carro que passa despercebido no trânsito tem uma missão importante: recolher combustíveis nos mais de 45 mil postos espalhados pelo país.
“Pode colocar 50 de etanol para mim, fazendo favor?", diz o motorista do programa Cliente Combustível Legal em um posto.
O veículo é a ferramenta principal do programa “Cliente Misterioso” do Instituto Combustível Legal.
“Isso é feito em postos com bandeira, sem bandeira, no Brasil inteiro e em regiões onde a gente percebe, por exemplo, que tem entrada de metanol em determinada região", explica Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal.
Do lado de fora esse carro é igual aos outros. A diferença é que ele carrega cinco tanques escondidos lá no porta-malas. Isso permite que técnicos se passem por clientes e possam recolher amostras de combustíveis em todo o país. Depois, a gasolina, o etanol e o diesel são analisados em laboratório.
Repórter: Essa primeira análise revelou o quê?
"A gente tem uma gasolina com uma adulteração alta no teor de etanol, onde hoje a legislação apresenta 30% máximo, né? A gente identificou 69% de etanol nessa gasolina".
Repórter: O que significa isso?
"Vai aumentar o consumo do carro, né? E pode ser prejudicial também em alguns casos, né? Existem carros hoje que só rodam a gasolina, não são flex", explica Lucas Pedretti.
De janeiro a agosto de 2025, o Cliente misterioso analisou mais de 2.200 amostras de gasolina, etanol e diesel recolhidas em 13 estados. 25% estavam fora do padrão exigido. A gasolina lidera esse ranking, seguido pelo diesel e o etanol. A irregularidade mais comum é a adulteração do combustível, como um teor de etanol acima do permitido na gasolina.
Os técnicos também observam um número significativo de fraudes na bomba – quando o cliente leva menos combustível do que pagou. Há casos ainda em que uma mesma amostra tem problemas tanto na qualidade quanto na quantidade.
Um mapa feito com os dados das análises mostra que os estados de São Paulo, Rio, Minas, Paraná, Goiás, Mato Grosso e Bahia concentram mais postos com combustível adulterado.
“O impacto dessas fraudes operacionais, da sonegação, é muito grande para o mercado. Você infelizmente provoca uma concorrência desleal muito forte, atrapalha a arrecadação do governo federal, atrapalha os estados e impede que o consumidor, que é a maior vítima nesse processo, possa ter tranquilidade para abastecer", ressalta presidente do Instituto Combustível Legal Emerson Kapaz.
Há quase 20 anos, o apresentador César Tralli fez uma série de reportagens para o Jornal Nacional mostrando o problema da adulteração de combustíveis.
Hoje, os resultados das análises feitas pelo programa Cliente Misterioso são compartilhados com a Agência Nacional do Petróleo, que já faz um monitoramento geral do mercado nacional de combustíveis. Mas os números da ANP mostram que as fraudes atingem uma fatia pequena do mercado – uma vez que a fiscalização da agência não é focada apenas nos postos em que há denúncias de irregularidades.
“O índice de conformidade no país é de 97%. Então a inconformidade, os problemas, repousam sobre 3% dos combustíveis. E é sobre esses 3% que a ANP e outros órgãos focam sua atenção", comentou o superintendente de Fiscalização do Abastecimento da Agência Nacional do Petróleo Júlio Nishida.
Atenção que foi redobrada depois da megaoperação de agosto, que revelou a infiltração do PCC em toda a cadeia de produção, distribuição e venda de combustíveis. Nas últimas semanas, a ANP notou que parte dos postos investigados começou a fechar em São Paulo, como um na zona sul.
A impressão que a gente tem é de que quem operava esse posto saiu às pressas. As mangueiras foram retiradas, mas o combustível continua pingando.
“A lojinha estava funcionando porque está ligada a máquina, os cafés", diz o fiscal da ANP.
Perto dali, um outro continua funcionando. Em junho, fiscais da ANP flagraram um caminhão descarregando metanol num tanque onde só deveria haver etanol. Desta vez, a fiscalização não encontrou irregularidades no combustível vendido lá. O problema estava em um dos tanques.
“A gente constatou a presença do que a gente chama de caneta, é um dispositivo para evitar que a gente consiga coletar o combustível diretamente do tanque.”
O posto, que já era investigado por ligação com o grupo criminoso que se infiltrou no setor de combustíveis, foi autuado pela ANP. A agência fez mais de 9 mil fiscalizações no país e aplicou quase 3 mil autuações por infrações diversas.
“A ANP vem tendo uma troca de informações constante tanto com o Ministério Público como com os demais órgãos que participaram da operação para analisar cada aspecto que envolve essa lista de postos. A ANP está tendo uma atuação forte, constante, para coibir e evitar que essa prática chegue até o consumidor", afirmou o superintendente de Fiscalização do Abastecimento da Agência Nacional do Petróleo Júlio Nishida.
O gerente do posto autuado não quis se manifestar.
Carros com tanques adaptados são usados para denunciar combustível adulterado em postos pelo Brasil
Reprodução/TV Globo