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Curiosos e ameaçados: aprenda a diferenciar polvos de lulas e conheça espécies brasileiras


Lula-comum ou lula-flecha (Doryteuthis plei)

terence zahner / iNaturalist

De corpos maleáveis e inteligência reconhecida, os polvos e as lulas fazem parte da ordem dos cefalópodes e desempenham papéis essenciais nos oceanos. Apesar de muitas vezes confundidos, eles apresentam diferenças marcantes não apenas na aparência, mas também no modo de vida.

“Os polvos possuem corpo globoso e um manto arredondado, com oito braços robustos dotados de ventosas por toda a extensão. Já as lulas têm corpo alongado, hidrodinâmico, com nadadeiras laterais bem desenvolvidas e dois tentáculos especializados na captura de presas”, explica Hugo Gallo, oceanógrafo e diretor do Aquário de Ubatuba.

Polvo-comum (Octopus vulgaris)

Dennis Rabeling / iNaturalist

Essa diferença morfológica reflete diretamente em seus estilos de vida: enquanto os polvos são solitários e bentônicos, vivendo associados ao fundo marinho, as lulas formam cardumes e nadam livremente na coluna d’água.

Segundo Hugo, os polvos passam a maior parte da vida isolados, interagindo com outros indivíduos apenas durante a reprodução. Em muitos casos, machos e fêmeas se separam logo após a cópula.

Por outro lado, desde a eclosão, as lulas tendem a viver em grupos e se reunir massivamente para reprodução. Elas, inclusive, exibem comportamentos sociais complexos, incluindo estratégias cooperativas de acasalamento - como machos dominantes defendendo as fêmeas enquanto outros exercem táticas de acasalamento.

Octopus insularis utilizando técnicas de camuflagem

aurelie972 / iNaturalist

O comportamento de caça também os distingue de maneira fascinante. “Os polvos são territorialistas e solitários. Eles realizam ataques exploratórios, conhecidos como 'speculative pounce', sobre rochas e vegetação, à espera de presas. As lulas, por outro lado, adotam uma abordagem de emboscada ou ‘ataque relâmpago’. A caça é caracterizada pela espera do momento certo para um ataque rápido e preciso”, detalha o especialista.

Espécies mais comuns

Na costa brasileira, espécies como o polvo-comum (Octopus vulgaris) e a lula-comum (Doryteuthis plei) são amplamente distribuídas. Saiba mais sobre elas e outras espécies abaixo:

Polvos brasileiros mais comuns

Octopus vulgaris: tradicionalmente relatada ao longo da costa brasileira, especialmente do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. É a espécie mais capturada na pesca artesanal e comercial, com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo como principais áreas de captura.

Octopus insularis: reconhecida omo espécie distinta de O. vulgaris, abundante no litoral Nordeste e em ilhas oceânicas (Fernando de Noronha, Atol das Rocas).

Eledone massyae: uma das espécies de cefalópodes mais estudadas no Atlântico Sul Ocidental. No Brasil, ocorre desde a Baía de Santos até o litoral do Rio Grande do Sul.

Lulas brasileiras mais comuns

Lolliguncula brevis: espécie costeira amplamente distribuída ao longo da costa do Brasil, entre Recife (PE) e Florianópolis (SC).

Doryteuthis plei: Muito estudada no litoral norte de São Paulo (Ilha de São Sebastião, Ubatuba, Ilhabela). Pesquisadores filmaram desovas em áreas rasas, documentando todo o ciclo de vida, desde ovos e paralarvas até adultos.

Lula-costeira-americana (Lolliguncula brevis)

squidpastry / iNaturalist

Há ainda espécies endêmicas com distribuição restrita, como o Lepidoctopus joaquini, encontrado nos recifes da Amazônia e conhecido apenas por registros em estômagos de peixes. Já Eledone gaucha é restrita ao sul do Brasil, ocorrendo entre Cabo Frio (RJ) e Chuí (RS), e Eledone massyae não é estritamente endêmica, mas sua distribuição é regional, do Sudeste brasileiro até o norte da Argentina.

"Essas espécies demonstram a riqueza e a especificidade da fauna de polvos no Brasil, com algumas ainda pouco conhecidas e recentemente descritas", diz Hugo.

A ocorrência desses animais está intimamente ligada às condições ambientais. “A temperatura da água influencia diretamente o metabolismo, crescimento e reprodução. Espécies tropicais, como o Octopus insularis, preferem águas entre 22°C e 28°C. Já as temperadas, como o Octopus vulgaris, ocorrem em águas mais frias, entre 12°C e 25°C”, ressalta.

Correntes marinhas como a do Brasil (quente) e das Malvinas (fria) também desempenham papel crucial na dispersão de larvas e na distribuição das populações adultas.

Além de serem predadores eficientes, polvos e lulas são elos importantes na cadeia alimentar. “Eles servem de alimento para tubarões, tartarugas, peixes demersais e mamíferos marinhos. As lulas juvenis, em especial, são extremamente vulneráveis e servem de presa para uma variedade enorme de predadores”, comenta.

Cefalópodes em risco

No entanto, essas espécies enfrentam ameaças significativas. “A pesca excessiva, tanto direcionada quanto incidental, é uma pressão constante. Além disso, a poluição por metais pesados e microplásticos já foi detectada em tecidos de polvos e lulas no Brasil, afetando sua saúde e reprodução”, alerta.

As mudanças climáticas também representam um risco crescente, alterando a distribuição geográfica e afetando fisiologicamente esses animais devido à acidificação dos oceanos. A degradação de habitats, como recifes e fundos costeiros, agrava ainda mais a situação.

Polvo-comum (Octopus vulgaris)

Dennis Rabeling / iNaturalist

“Sem abrigo e locais para reprodução, as populações ficam mais expostas e vulneráveis”, complementa. Apesar desses desafios, ainda não há no Brasil um plano de manejo específico para cefalópodes.

“Diferente de países como Espanha e Japão, aqui a gestão é indireta, via normativas gerais de pesca”, explica. No entanto, iniciativas como o Projeto Cephalopoda, liderado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria com IBAMA, ICMBio, CIRM e a administração de Fernando de Noronha, buscam mudar esse cenário.

“O projeto visa identificar espécies, estudar sua ecologia, avaliar o impacto da pesca e desenvolver planos de manejo sustentável, além de engajar comunidades locais na conservação”, destaca.

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