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Elas rimam alto: rap feminino desafia o domínio masculino e ocupa a cena


Mulheres ganham espaço na cena do Hip Hop

🎤🔊 Batidas graves, rimas, poesia e muita arte. Quem hoje olha para a cena do rap e do trap, vertentes do Hip Hop, começa a ver a explosão: as mulheres vêm ganhando espaço e protagonizando o gênero no Brasil. Aqui, o rap se popularizou na década de 1980, com influências afro-americanas, por cantar as vivências negras e periféricas. Mais que música, ele é identidade e resistência.

Nos últimos anos, o rap e o trap ganharam força. Hoje, cantoras como Duquesa, Ebony, Tasha e Tracie, AJuliaCosta e Mc Luanna protagonizam a cena nacional, pautando causas sociais, empoderamento e críticas ao machismo presente na música, mas o reflexo desse fenômeno ainda está aparecendo lentamente nas line-ups dos principais festivais de música do país: o maior desafio para as mulheres é nadar contra as rimas masculinas e chegar aos mais ouvidos do Brasil.

🔎 O Hip Hop é um gênero cultural que engloba música, dança e pintura (grafite), enquanto o rap é um estilo musical dentro do Hip Hop. O trap é um subgênero musical do rap, caracterizado por batidas lentas e pesadas, com uso intenso de sintetizadores e com letras que abordam a vida urbana.

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🔊 Rap em cena

A história do rap se mistura com relatos de resistência e isso não é de hoje. O ritmo surgiu em 1970, no bairro estadunidense do Bronx, e não demorou para que suas letras conquistassem a voz do povo. O então novo estilo musical tinha um diferencial: eram bem vindas vozes de diferentes classes sociais.

Mas como nem tudo são flores, a marginalização sempre foi um desafio para os artistas do Hip Hop. Como explica o professor de jornalismo Victor Pires, o que hoje acontece com o rap, também aconteceu com o samba, entre 1910 e 1930, por ser uma expressão cultural dos morros e da periferia em cidades como o Rio de Janeiro.

"Hoje em dia a discussão ao redor de gêneros como o funk e o rap, por exemplo, escancaram como pouca coisa mudou ao longo do tempo. Afinal, são gêneros periféricos que também são perseguidos e, comumente, reprimidos pelo Estado. Basta ver toda uma trajetória de proibições de bailes funk no Rio de Janeiro e a tentativa de enquadramento como prática criminosa", fala

Agora o rap está em destaque no consumo musical no Brasil. A popularidade é clara: nas principais plataformas de streaming de música há sempre um artista do Hip Hop nos mais ouvidos. Para o professor, "os números são um reflexo do que já acontece socialmente há muitos anos".

"Esses gêneros sempre foram muito populares dentro e fora da periferia. O que os números dos streamings mostram é como rappers, MCs e DJs são mais famosos e relevantes do que possa se imaginar. Talvez apenas não tocassem tanto em veículos de massa como TV e rádio, por exemplo. Basta ver como o rap comumente vira trend no TikTok", explica.

Além disso, Victor afirma que "o gênero é um importante documento das modernidades urbanas e atua como veículo de memória, resistência e transformação, ocupando um papel central nas dinâmicas culturais e sociais contemporâneas".

🎤 Huná e as vivências das mulheres na música

Nascida no bairro do Vergel do Lago, periferia de Maceió, Huná, o nome artístico de Alice Barbosa, é uma cantora e compositora do Pop Rap, conhecida por suas músicas e letras que carregam consigo uma voz para as mulheres pretas.

De uma família evangélica, Huná cantava nos corais da igreja, mas foi no rap onde descobriu uma paixão sem limites, que a levou a lugares como o palco do Festival Carambola, um dos principais festivais de música de Alagoas. Ela diz ter se tornado uma pessoa melhor com a música.

"Iniciei no rap em 2020, mas meu amor por ele [o rap] foi a primeira vista! Fui uma criança evangélica, e um dos meus primeiros contatos quando comecei a usar o YouTube, eram rap e funk", conta a artista.

As vivências das mulheres no rap vão para além dos palcos dos festivais: é sobre um trabalho independente, que muitas vezes é atravessado por problemas como falta de recursos e visibilidade. Huná conta que o Hip Hop é um gênero machista, onde os homens ainda detém maior parte do cachê e são escalados para a maioria dos eventos musicais.

Por aqui a arte tem levado essas mulheres a lugares altos. Há cinco anos fazendo arte, Huná já teve uma música de seu Ep ocupando o ranking de melhores músicas alagoanas do ano e diz que hoje serve de "inspiração para o público preto e para mulheres que sonham em um dia poder estar no palco".

"Acho que a galera da menos credibilidade a uma mulher fazendo, mostrando para o que veio…é como se eles [os homens] tivessem medo de perder seus lugares para nós. E não é diferente aqui em Alagoas, os homens sempre se fecham em seus ciclos e o rap aqui já tem poucas mulheres, então é uma coisa meio que segregada. Mesmo todo mundo sofrendo com a cultura defasada", disse.

Mas é preciso que se diga "que o rap faz muito mais que denunciar desigualdades, o rap fortalece identidades e funciona como instrumento de formação política, cultural e social", como explica Victor.

Alagoana Huná ganha espaço na cena do rap em Alagoas

Divulgação

🎶 Letras

As letras do Hip Hop são caracterizadas por empoderamento negro e feminino, vivências urbanas e a vida na periferia. A música, que muitas vezes é entretenimento, também é território de resistência e representação cultural. Para Huná, tudo em suas letras é sobre o feminino.

"As minhas músicas são voltadas a minha realidade como mulher preta e periférica que tenta traçar um futuro saindo da estatística proposta pra ela. Então, a partir do momento que lancei o primeiro trabalho e tive dimensão do quanto isso também falava sobre outras mulheres, eu pude perceber que era sobre isso que eu queria falar", fala

Além disso, uma nova forma de criar tem se mostrado promissora na cena nos últimos tempos. O freestyle é uma técnica de improviso onde os versos são cantados na hora, sem composição prévia.

Esse é um estilo comum em batalhas de rima que não dispensa a composição: enquanto alguns artistas tem o improviso como carro-chefe de suas criações, outros preferem a criação prévia. É um tempero pessoal.

"O freestyle facilita muito quando quero compor, principalmente se o som for feito na hora, totalmente de freestyle. Ele melhora minha dicção, me dá agilidade criativa e contribui para construir trabalhos mais lapidados e originais", fala a artista alagoana Alice Gorete.

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A rima para além da música: como as batalhas de rap ocupam as ruas de Alagoas

Quem conhece Alagoas como a terra das praias e do bordado filé, precisa saber que por aqui também tem rima. As rodas e batalhas de rima, que também fazem parte da cultura do Hip Hop, tem ocupado as ruas alagoanas.

Pioneira do freestyle alagoano, Alice Gorete é cantora, compositora e atleta de freestyle nascida no bairro do Jacintinho, em Maceió. Aos 26 anos, já conquistou prêmios regionais e internacionais. Seu primeiro contato com batalhas de rima foi aos 11 anos e a primeira vitória veio pouco depois, na sua segunda Batalha Marginal.

"A batalha de rima é um espaço de expressão que, mesmo sendo um formato de ataque, permite falar de dor, superação, sonhos. Assim como trabalhar competição, disciplina e desenvolvimento pessoal. A presença das mulheres é indispensável. Quando uma mulher rima, outras passam a acreditar que também podem, se sentem mais seguras de está ali e assim, mais mulheres ocupam lugares que homens são a maioria", fala.

Alice conta que por muito tempo foi a única mulher rimando no estado, mas hoje o cenário está diferente.

"Nacionalmente, hoje existem mais mulheres rimando, o que já é uma grande mudança. Antigamente, podíamos contar nos dedos", disse.

Hoje, as mulheres não só tem espaço, como conquistam corações de quem curte o movimento do Hip Hop.

Alagoana Alice Gorete se destaca nas rodas de rima

Divulgação

🎧 Rappers femininas para apoiar a cena

O g1 preparou uma lista de artistas que você pode ouvir para apoiar a cena, confira:

Huná

Alice Gorete

Arielly Oliveira

Ebony

Duquesa

Tasha e Tracie

Slipmami

Mc Luanna

A juliacosta

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