G1

Fagner tira a luz do cancioneiro da bossa nova em show com cara de ensaio


Raimundo Fagner canta na casa Vinicius Show, no Rio, o repertório do ainda inédito álbum gravado pelo artista com hits da bossa nova

Rodrigo Goffredo

♫ OPINIÃO SOBRE SHOW

Título: Bossa nova

Artista: Raimundo Fagner

Data e local: 15 de setembro de 2025 no Vinicius Show (Rio de Janeiro, RJ)

Cotação: ★ ★ 1/2

♬ “Tira essa luz”, ordenou Raimundo Fagner assim que sentou na cadeira alocada ao centro do palco do Vinicius Show, casa de shows situada em Ipanema, berço da bossa nova, no Rio de Janeiro (RJ). Acatado o pedido imperativo do artista, desde então em cena sem iluminação no rosto, Fagner iniciou o show em que mostrou em primeira mão o repertório do ainda inédito álbum em que dá voz ao cancioneiro da bossa nova.

Grande nome da MPB, o cearense Raimundo Fagner Cândido Lopes nunca teve a voz áspera – evocativa da aridez do sertão nordestino – associada à leveza da bossa, ainda que tenha Ronaldo Bôscoli (1928 – 1994) como um padrinho artístico por ter sido ajudado pelo jornalista e compositor no início dos anos 1970, quando ainda batalhava no Rio de Janeiro (RJ) por lugar sob o sol da música brasileira.

Aos 75 anos, já com a voz em tons outonais, Fagner se aventura por standards da bossa nova em disco pensado por Roberto Menescal, um dos papas do movimento de 1958.

O público que foi ao Vinicius Show na noite de ontem, 15 de setembro, ficou sem ouvir a prometida parceria inédita de Fagner com Vinicius de Moraes (1913 – 1980), patrono da casa, presente no palco em espírito e no retrato alocado no palco, este bem iluminado. Mas escutou dez músicas gravadas por Fagner no álbum que será editado pela gravadora Biscoito Fino em data ainda incerta.

Em cena, sob a direção musical de José Milton, Fagner dividiu esse palco com quarteto formado por Marcos Ariel (piano), André Gonçalves (violão), Helbe Machado (bateria) e Rodrigo Vila (contrabaixo).

A banda estava afinada, entrosada. Já o cantor pareceu disperso, inseguro com as letras de músicas como O negócio é amar (1984), parceria póstuma de Carlos Lyra (1933 – 2023) com Dolores Duran (1930 – 1959) gravada por Fagner no álbum com o toque de sanfona, para contragosto de Roberto Menescal, como revelou ao público o cantor sincerão. Tanto que a primeira das duas apresentações do show Bossa nova – a segunda acontece hoje, 16 de setembro, às 21h – ficou com cara de ensaio.

O diálogo sedutor de Tereza da Praia (Antonio Carlos Jobim e Billy Blanco, 1954), por exemplo, resultou falho, incompleto, inclusive (mas não somente) pela ausência de Zeca Baleiro, com quem Fagner gravou o samba no disco.

Fagner canta músicas como 'Rio', 'Samba de verão' e 'Wave'

Rodrigo Goffredo

Aberto com Canto de Ossanha (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966), em interpretação sem a impetuosidade desse afrossamba distante da leveza da bossa, o roteiro seguiu com o samba Águas de março (Antonio Carlos Jobim, 1972) – desde sempre citado pelo artista ao fim da canção Canteiros (Raimundo Fagner sobre poema de Cecília Meirelles, 1973) – e, dois números depois, chegou no Samba em prelúdio (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1963), gravado no disco por Fagner em dueto com Wanda Sá.

Sequer esboçado pelo canto de Fagner, o dramalhão da letra de Samba em prelúdio contrasta com tudo o que pregou a ensolarada bossa nova na onda que se ergueu no mar da música brasileira a partir de 1958. O cantor tampouco evocou a melancolia que banha o samba-canção Por causa de você (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1957), outra música distante da leveza do cancioneiro sal, céu, sol, sul.

Bossa nova é Samba de verão (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1964), música que perdeu suingue e beleza na voz de Fagner, ainda que o quarteto tenha tentado segurar a onda com breve levada de jazz.

“Essa música é boa de cantar, né”, perguntou Fagner, já dando a resposta, após imprimir a suavidade de Wave (Antonio Carlos Jobim, 1967), em momento levemente mais harmonioso do show. Em contrapartida, quando Fagner cantou Rio (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, 1963), ficou evidente que a praia do artista é outra. Faltou o balanço da bossa.

Nem o coro do público no samba Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958) atenuou a sensação de que Raimundo Fagner tirou a luz do cancioneiro da bossa nova.

Fagner se apresenta diante do retrato de Vinicius de Moraes (1913 – 1980), patrono da casa Vinicius Show

Rodrigo Goffredo

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