Foto ilustrativa de vítima assistida pelo Governo de Mato Grosso do Sul
Álvaro Rezende
A Lei Maria da Penha completou 19 anos nesta quinta-feira (7), marco na luta contra a violência doméstica e familiar no Brasil. Embora tenha representado um avanço significativo na proteção às mulheres, nem todos os casos seguem com a rapidez esperada na Justiça.
O g1 conversou com Catarina Erasmo Brites, de 54 anos, que só conseguiu encerrar juridicamente um ciclo de agressões físicas e psicológicas 14 anos após denunciar o ex-marido. O processo envolveu a denúncia por violência doméstica, o julgamento e, posteriormente, o divórcio com partilha de bens.
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A agressão aconteceu em um sábado à noite, em 2011, após Catarina revelar ao então marido que havia descoberto uma traição.
“Ele arrancou tufos de cabelo de trás das minhas orelhas. Puxou com tanta força que fiquei tonta. Perdi parte da audição e, até hoje, tenho sequelas”, conta.
Atualmente, ela tenta conseguir um aparelho auditivo para os dois ouvidos, buscando melhorar sua qualidade de vida.
No dia seguinte à agressão, ainda abalada e acompanhada da filha de apenas 7 anos, Catarina procurou a Primeira Delegacia de Polícia (1ª DP), já que a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) não funcionava aos domingos.
"Sentei na mesa do delegado e chorei até não aguentar mais. Usei uma caixa inteira de lenços de papel. Até que ele aceitou mandar os policiais irem atrás do oficial de justiça e do juiz para retirar ele da minha casa."
Apesar da agilidade da polícia naquele momento, Catarina não imaginava que levaria 14 anos para finalmente se ver livre do agressor, legalmente e emocionalmente.
Quatro anos e meio após o crime, o ex-marido foi condenado com base na Lei Maria da Penha. No entanto, ele recorreu e acabou inocentado por falta de provas.
"Quer dizer que só se matarem a gente é que vai ter prova?! Uma criança de sete anos assistiu toda a cena e não tem prova suficiente?!”, desabafa.
Nos dez anos seguintes, Catarina travou uma batalha judicial para obter o divórcio e a divisão de bens com o agressor. “Ele não queria assinar a separação. Queria ficar com tudo.[…] Eu já tinha minha profissão antes de conhecer ele, sou cabeleireira, e ele não queria entregar nada. Mesmo assim, a juíza deu para ele 80% do que a gente possuía e ele ainda se recusava a aceitar a separação."
Para manter o salão de beleza e a casa onde vivia com a filha, Catarina precisou devolver R$ 85 mil ao ex-marido. Enfrentou ameaças, falta de acolhimento e abandono institucional. Hoje, mesmo diante de tantas perdas, sente que, finalmente, pode respirar.
“Foram 14 anos e não 14 dias. É muito tempo. Não tenho esperança nenhuma pela Justiça, perdi essa esperança. Nunca tive acolhimento. Me senti totalmente isolada. A Lei Maria da Penha, para mim, não serviu para nada.”
Por que processos de violência doméstica podem demorar?
A juíza Tatiana Dias Said explicou ao g1 como funciona o andamento processual e por que alguns casos podem se arrastar por anos.
Segundo ela, após a concessão da medida protetiva e havendo denúncia formal, inicia-se o processo criminal, regido pelo Código de Processo Penal. No entanto, diversos fatores podem influenciar a duração. “Dependendo da complexidade da causa, do número de testemunhas a serem ouvidas, realmente o processo vai demorar um pouco mais”, explica.
No entanto, a juíza explica que no caso de processos de réu preso, a Lei prevê que o prazo seja reduzido, tendo a sentença em tempo mais rápido. É também necessário considerar o alto volume de distribuição de processos de denúncias que tramitam.
“Se for um processo de réu solto, ele pode se prolongar um pouco mais. […] Por exemplo, em Campo Grande nós temos duas varas de violência doméstica, onde são julgados os processos. São realizadas inúmeras audiências e temos duas varas de medidas protetivas. Então devido a alta demanda, há uma demora mesmo”, diz.
Ainda conforme a juíza, as varas lidam com a alta demanda de casos diariamente. Isso contribui para a lentidão. Além disso, segundo ela, diferente do feminicídio ou tentativa, casos de violência doméstica não vão para o Tribunal do Júri, o que muda o rito processual.
O julgamento é feito conforme a previsão legal, com o objetivo de reduzir desigualdades dentro do processo para a aplicação de uma pena mais justa.
"O nosso critério é a Lei. É a previsão legal [...] Não é um protocolo, nós tentamos mudar o nosso olhar e ver a vítima do processo como uma pessoa vulnerável, inclusive nos processos de divórcio, onde nós podemos constatar uma violência patrimonial."
O peso da denúncia
Para Catarina, a agressão física foi o limite.
"A violência física, ela é o estopim. Quando chega nesse ponto, não tem mais o que fazer. É separação ou separação. Não tem como não separar. E a ameaça dele era que ele ia continuar me batendo [...] Eu falo que na primeira violência tem que sair fora. As mulheres têm que saber sair na hora certa. A gente não espera, mas infelizmente acontece", finalizou a vítima.
Confira os canais:
Emergência: ligue 190 (Polícia Militar) - atendimento gratuito, 24 horas.
Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180 — serviço do governo federal que registra denúncias, orienta e encaminha aos órgãos competentes.
Procure a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) mais próxima.
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