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Fux diverge do relator, Alexandre de Moraes, e descarta condenações por organização criminosa e tentativa de golpe de Estado


Em voto de mais de 10 horas, Fux diverge de Moraes e descarta condenações por organização criminosa e tentativa de golpe

No quarto dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados do núcleo crucial da trama golpista, o ministro Luiz Fux apresentou voto divergente em diversos pontos daquele que foi exposto pelo relator, Alexandre de Moraes. Antes de começar a analisar questões levantadas pelas defesas e o mérito da denúncia da Procuradoria-Geral da República, Fux discorreu sobre o papel do Poder Judiciário. Disse que não compete ao STF realizar um juízo político do que é bom ou ruim, mas afirmar o que é constitucional ou inconstitucional.

Em seguida, o ministro passou a analisar as questões processuais levantadas pelas defesas dos réus. E, na maioria dos votos, se posicionou de forma contrária aos entendimentos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino - que, na terça-feira (9), rejeitaram todos os pedidos.

Fux manifestou posição distinta da que proferiu ao votar para condenar 400 réus envolvidos nos atos de violência do 8 de janeiro de 2023, quando concordou com a competência do STF - Supremo Tribunal Federal. Nesta quarta-feira (10), ele manteve a posição já adotada no recebimento da denúncia e afirmou que o STF não é o tribunal adequado para o julgamento do núcleo crucial da trama golpista. Disse que a tarefa caberia à primeira instância, seguindo o entendimento que existia na época dos crimes de que pessoas sem foro deveriam ser julgadas por instâncias inferiores.

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Ainda segundo Fux, uma vez que o caso esteja tramitando no Supremo, a ação penal deveria ser levada à análise do plenário, em vez da Primeira Turma. E, por isso, pediu a anulação de todo o processo.

"Os fatos imputados aos réus, segundo a denúncia, ocorreram entre 2020 e 8 de janeiro de 2023. Naquele período, a jurisprudência da Corte era pacífica, consoante o entendimento consolidado, racional, inteligível, de que uma vez cessado o cargo antes do término da instrução, a prerrogativa de foro deixaria de existir. Em caso, os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, deste ano. E, como é sabido, em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados. A segunda preliminar, Sr. presidente, seguindo a ordem aqui do sumário, é a preliminar de incompetência da Turma e a competência do Plenário do STF - Supremo Tribunal Federal. A competência para o julgamento do Presidente da República sempre foi - e continua sendo - do plenário da Casa. Dirão os senhores: ex-presidente. Mas está sendo julgado como tal. Porque se é ex-presidente, deveria ir para o juízo de primeiro grau. Mas está sendo julgado como presidente. Está sendo julgado como se presidente fosse. Essa ação deveria se iniciar no pleno do STF. Indispensável razão, pelas duas uma: ou o processo tem que ir para o plenário ou tem que descer para a primeira instância”, disse o ministro Luiz Fux.

O ministro Fux também votou de forma contrária ao relator ao acolher as alegações de cerceamento de defesa. Ele chamou de “tsunami de dados” o volume de provas disponibilizadas pela acusação, segundo ele, de forma desorganizada e tardia. O único ponto em que Fux votou com Alexandre de Moraes foi pela manutenção da delação do ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.

"Essa delação premiada restou, em 9 de setembro de 2023, na sua homologação pelo relator, ocasião em que reconheceu a regularidade, legalidade e adequação dos benefícios pactuados. É bem verdade, que eu fiz essa crítica, que idas e vindas de um colaborador podem representar atos de retaliação, criatividade de autoproteção. Mas, nesse caso, o réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado. E, nesse sentido, me parece desproporcional a anulação, a rescindibilidade dessa delação. Então, estou acolhendo a conclusão de Sua Excelência, o relator. Eu estou acolhendo o parecer do Ministério Público, e eu voto no sentido de se aplicar ao colaborador Mauro César Cid os benefícios propostos pela Procuradoria-Geral da República.

A partir daí, Fux começou a analisar o mérito da ação penal e das acusações feitas pela PGR, começando pelo crime de organização criminosa. O ministro voltou a abrir divergência com o relator e votou por absolver Jair Bolsonaro e os sete aliados dessa acusação. Fux afirmou que a Procuradoria-Geral da República não foi capaz de comprovar elementos necessários para configurar o crime.

Como exemplo, disse que os réus teriam que estar reunidos de forma estruturada e permanente, com uma divisão de tarefas, para praticar uma sequência de crimes. O ministro argumentou ainda que a PGR também não comprovou que os réus tenham usado armas de fogo na execução dos crimes denunciados. O ministro afirmou que o que ficou caracterizado foi um concurso de pessoas - é quando os réus somente colaboram para um mesmo crime.

"A acusação, em síntese, ela, com a devida vênia, não indicou que os réus teriam se reunido para a prática de crimes indeterminados ou de uma série indeterminada de delitos - elemento necessário para caracterização do crime de organização criminosa. O agrupamento de pessoas para a prática de delitos indeterminados, na denúncia, não configura um crime autônomo, mas, em tese, concurso de pessoas. A demora dos réus na fase de cogitação dos atos preparatórios e do planejamento não corresponde aos elementos de estabilidade e permanência. Somente se caracterizam a estabilidade e a permanência se houver prova de que os réus têm por fim permanecer associados para a prática de novos crimes por tempo indeterminado, mesmo depois da execução dos delitos. Por último, o pedido de aumento da pena, relacionado ao emprego de arma de fogo na atuação da suposta organização criminosa, não encontra qualquer fundamento na denúncia ou nas alegações finais. O que não permite outro caminho senão o de julgar improcedente a acusação no que tange à imputação do crime de organização criminosa”, disse o ministro Luiz Fux.

Fux durante o 4º dia de julgamento da trama golpista

Gustavo Moreno/STF

Ao analisar as denúncias de dano qualificado e deterioração do patrimônio público, ele afirmou que a PGR não demonstrou a ligação dos réus com os ataques às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 e que liderança intelectual, sem comprovação de participação no crime, não é suficiente para condenação:

"Não há prova nos autos de que os réus tenham ordenado a destruição e depois se omitido. Pelo contrário. Há evidências de que, assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edifício Supremo fosse invadido pelos vândalos. Porque eu atestei, pela prova dos autos, que o réu Anderson Torres assim agiu. É imperativo que o Estado acusador demonstre, no caso concreto, a materialidade do dano e a responsabilidade individual de cada um. A prática de um crime de dano qualificado, mesmo durante um evento multitudinário, não isenta, no meu modo de ver, a acusação de provar conduta específica de cada indivíduo. Nesse sentido, o acusado não pode ser responsabilizado por um dano provocado por terceiro. A simples alegação de liderança intelectual, desacompanhada de evidências concretas de responsabilidade de um indivíduo pelo dano, não é suficiente para condenação”, disse Luiz Fux.

Fux afirmou que discursos e entrevistas - mesmo que rudes - contra integrantes de um dos Poderes, questionamentos ao sistema eleitoral ou manifestações contra poderes públicos, como as que ocorreram em frente aos quartéis, não configuraram o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, como indicado pela PGR. Segundo Fux, não há punição prevista para o que chamou de “bravatas de agentes políticos”, ainda que reprováveis.

"O verbo 'abolir', que denota uma ação capaz de suprimir ou eliminar. Por isso mesmo, não é suficiente para abolição do Estado Democrático de Direito o atingimento de apenas um ou algum de seus componentes. Nem a prática de condutas que meramente os enfraqueçam, mitiguem ou relativizem, sem, contudo, eliminá-los. Em síntese, por mais que determinados comportamentos possam ser nefastos para a maturidade política do país, atrasando a solidificação de suas estruturas jurídicas e sociais rumo ao estado de uma democracia consolidada ou plena, refugirão à incidência da norma criminalizadora, quando incapazes de causar, com sua consequência direta, a completa abolição dos múltiplos elementos intrínsecos ao Estado Democrático de Direito”, disse Luiz Fux.

Na sequência, Fux afirmou que as condutas do crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito acabam sendo absorvidas pelo golpe de Estado, que, no entender do ministro, é o objetivo final de uma ruptura institucional. Ele comparou os ataques golpistas que pediam intervenção militar a outras manifestações ocorridas na história brasileira, como as jornadas de 2013.

Em relação ao 8 de janeiro, Fux fez uma observação: disse que Jair Bolsonaro não pode ser responsabilizado pelos atos de vandalismo por não ser mais presidente na época.

"A experiência histórica e a análise empírica dos processos de ruptura institucional demonstram que golpes de Estado não resultam de atos isolados ou de manifestações individuais desprovidas de articulação, mas sim de ação de grupos organizados, dotados de recursos materiais e capacidade estratégica, aptos a enfrentar e substituir o poder incumbente. Formas típicas de instauração de regimes autoritários, como golpes militares efetivamente praticados, insurgências, levantes populares cooptados em posições estrangeiras, mudanças conduzidas por elites autocráticas ou autogolpes. Tudo isso pressupõe sempre a coordenação coletiva e meios concretos de execução. Não satisfazem o núcleo do tipo penal comportamentos de turbas desordenadas ou iniciativas esparsas, despidas de organização e articulação mínimas para afetar o funcionamento dos Poderes constituídos. Entendimento contrário poderia conduzir à caracterização deste crime com enorme frequência”, disse o ministro Luiz Fux.

Na última parte do voto, Luiz Fux passou a analisar a conduta individual de cada um dos oito réus em relação aos crimes imputados pela PGR e começou pelo delator, Mauro Cid. Fux rejeitou a acusação por dano e deterioração do patrimônio, por considerar que os ataques golpistas ocorreram por insatisfação dos vândalos. Mas acabou formando maioria de votos para condenar Cid por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Fux considerou que o ajudante de ordens do presidente durante o mandato de Jair Bolsonaro foi a favor da ruptura institucional e participou da organização e da execução do plano que previa a prisão e o assassinato de autoridades.

“A prova dos autos revela com elevada clareza que o colaborador conhecia e estava diretamente envolvido com a referida operação para a adoção de medidas concretas voltadas para a abolição do Estado Democrático de Direito. Tanto é verdade que o colaborador esteve na reunião com o coronel De Oliveira e o general Braga Netto em que os R$ 100 mil para a execução do plano foram fisicamente disponibilizados ao colaborador. Mauro Cid também teve papel relevante em reuniões estratégicas com militares, com formação especializada, além de ter acompanhado de perto as reuniões de apresentação da minuta golpista, informando as evoluções aos seus comparsas. Praticamente todos os encontros clandestinos narrados na denúncia contaram com a organização e participação do réu”, disse Luiz Fux.

Luiz Fux absolveu o almirante Almir Garnier dos cinco crimes, ao contrário do que fizeram os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino. Segundo a PGR e depoimentos dos chefes do Exército e da Aeronáutica, Garnier colocou tropas da Marinha à disposição de Bolsonaro durante uma reunião com o então presidente e os comandantes das demais Forças Armadas.

Segundo Fux, há relatos de que, naquela ocasião, o almirante teve uma participação passiva. E, além de não ter executado nenhum crime, seria preciso uma prova cabal para condená-lo, e o ministro afirmou que ela não existe:

“Em caso, a atuação atribuída ao réu Almir Garnier, mediante a participação em duas reuniões e supostamente a colocação de tropas a disposição, somente seria punível se houvesse início de execução dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado. E ainda mais se o réu efetivamente houvesse prestado. Colocar à disposição é uma coisa, prestar é outra. Com efeito, apenas afirmar que está à disposição, que tropas estão à disposição, não corresponde efetivamente a um auxílio material concreto. A denúncia não imputou ao Almir Garnier a conduta de ter efetivamente convocado suas tropas para permanecer de prontidão de modo a prestar auxílio futuro e eventual golpe de Estado".

Na sequência, Fux começou a analisar as acusações contra Jair Bolsonaro. O ministro retirou a responsabilidade do ex-presidente pelo 8 de janeiro. Disse que Bolsonaro não pode ser responsabilizado por atos de terceiros.

“Não se pode aceitar a pretensão acusatória de imputar ao réu a responsabilidade pelos crimes praticados por terceiros no fatídico 8 de janeiro de 2023 como decorrência de discurso e entrevistas ao longo do mandato. A hermética petição, com a devida vênia, não estabelece ao certo o fundamento alegado da responsabilidade do demandado. Ainda que se pudesse sustentar que, no momento dos seus discursos, o réu tivesse consciência sobre a ocorrência de fatos praticados por terceiros, meses depois, seria necessário demonstrar que esse resultado é consequência normal, provável e previsível daquela manifestação de vontade do agente”, disse o ministro Luiz Fux.

Fux diverge do relator, Alexandre de Moraes, e descarta condenações por organização criminosa e tentativa de golpe de Estado

Jornal Nacional/ Reprodução

Fux também afirmou que Bolsonaro não cometeu qualquer irregularidade ao acionar a Agência Brasileira de Inteligência para obtenção de dados e que essa iniciativa não pode ser enquadrada dentro do crime de abolição do Estado Democrático de Direito:

“A atividade de inteligência está submetida ao controle de fiscalização do Poder Legislativo, por meio de órgão integrado pelos líderes da maioria e da minoria da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, assim como os presidentes das comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Desse modo, não se comprovou efetiva participação do réu Jair Bolsonaro, nesse particular, muito menos no enquadramento do tipo penal do artigo 359-L do Código Penal”.

Fux também minimizou o impacto dos ataques a integrantes de outros Poderes e dos questionamentos sem provas que Bolsonaro fez diversas vezes sobre o sistema eleitoral:

“Não se pode admitir que possam configurar tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito discursos ou entrevistas, ainda que contenham questionamentos contra a regularidade do sistema de votação ou rudes acusações aos membros de outros Poderes. A simples defesa da mudança do sistema de votação não pode ser considerada narrativa subversiva. Sequer, hipoteticamente, uma live no exterior seria capaz de abolir o Estado Democrático de Direito no Brasil. Registro que a confiabilidade das urnas eletrônicas já foi, ao longo dos anos, e sempre ocorreram questionamentos públicos inflamados por políticos de direita e de esquerda, do Sul ao Nordeste do país. Sem que, com isso, tenham se abalado as instituições democráticas brasileiras”.

Fux também negou a responsabilidade ou comando indireto de Bolsonaro a agentes da Polícia Rodoviária Federal para a realização das blitz de ônibus no dia do segundo turno da eleição presidencial em locais em que Lula tinha obtido a maioria dos votos no primeiro turno:

“O Ministério Público, em momento algum, apresentou provas da ciência ou da participação de Jair Bolsonaro nos fatos, limitando-se a narrar condutas atribuídas a Anderson Gustavo Torres, Silvinei Vasques, Marília Ferreira Alencar e Fernando de Souza Oliveira. O Ministério Público, no meu modo de ver, pretende uma imputação penal objetiva ao réu, atribuindo a responsabilidade objetiva por fatos praticados por terceiros, sem demonstrar sua contribuição dolosa para o suposto resultado delitivo”.

Fux diverge do relator, Alexandre de Moraes, e descarta condenações por organização criminosa e tentativa de golpe de Estado

Jornal Nacional/ Reprodução

O ministro Fux considerou que a minuta do golpe não pode ser usada como prova. Segundo ele, não ficou comprovado no processo que o documento foi apresentado a Bolsonaro ou aos comandantes das Forças Armadas.

Fux disse ainda que, de qualquer forma, para a decretação do estado de sítio ou da GLO, seriam necessárias várias etapas além da assinatura do presidente e que, por isso, não se pode ligar a minuta ao crime de tentativa de golpe de Estado.

“Isso é uma carta de lamentação, isso é uma carta de quem se sente injustiçado. Não há nenhum elemento de prova indicando ter sido essa versão da minuta, extraída do dispositivo do co-réu Mauro Cid, efetivamente apresentada à época a Jair Bolsonaro ou por este aos comandantes das Forças Armadas. De qualquer sorte, a Procuradoria-Geral da República admite que se tratava apenas de um esboço rudimentar e incompleto. Resta evidente que se trata de mera documentação para cogitatio ou, quando muito, de um ato preparatório. Mas jamais poderia se afirmar que houve início de execução de abolição do Estado Democrático de Direito”.

Luiz Fux afirmou ainda que a PGR não conseguiu provar que Jair Bolsonaro tivesse ciência ou dado aval ao plano “Punhal Verde Amarelo”, que previa a prisão e o assassinato de autoridades, e que, segundo a acusação, foi impresso dentro do Palácio do Planalto. Fux disse que também não há provas de participação do ex-presidente no monitoramento de autoridades, entre elas ministros do Supremo.

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