Durante o mandato, o país descriminalizou o aborto, aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e legalizou a produção e venda de maconha. José Mujica, ex-presidente do Uruguai, morre aos 89 anos
Morreu, aos 89 anos, o ex-presidente do Uruguai José Mujica. Ele sofria de câncer no esôfago. Antes da eleição para a Presidência, Mujica foi guerrilheiro e preso político na ditadura uruguaia.
Em uma rede social, o atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, escreveu:
"Com profunda dor, comunicamos que faleceu o nosso companheiro Pepe Mujica. Presidente, militante, referência e condutor. Vamos sentir muito a sua falta, velho querido. Obrigado por tudo o que você nos deu e pelo teu amor profundo pelo povo".
Mujica morreu em casa, no sítio em que vivia na zona rural de Montevidéu. Em 2024, ele foi diagnosticado com um tumor no esôfago. Chegou a fazer radioterapia e uma cirurgia. Mas o câncer se espalhou, e em janeiro, ele anunciou que não faria mais tratamento. Há poucos dias, a mulher dele, Lucía Topolanski, disse que Pepe Mujica estava recebendo cuidados paliativos para aliviar a dor.
Na América do Sul, outros presidentes se manifestaram. Em nota oficial, o governo brasileiro destacou que Mujica foi um grande amigo do Brasil e um entusiasta do Mercosul, da Unasul e da Celac, e um dos principais artífices da integração da América do Sul e da América Latina.
No Paraguai, o presidente Santiago Peña disse que, apesar das diferenças ideológicas que os dois tinham, visitou recentemente Mujica e que se tornou amigo dele, e também destacou a busca por uma América do Sul integrada.
Claudia Sheinbaum, presidente do México, disse que Mujica foi um exemplo para a América Latina e para o mundo pela sabedoria, pensamento e simplicidade.
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, escreveu que Mujica acreditou, militou e viveu por um mundo melhor.
O Uruguai decretou luto oficial até sexta-feira (16). O corpo do ex-presidente será velado no Palácio Legislativo. Já o sepultamento terá a simplicidade com que viveu: em uma cerimônia discreta apenas para a família e amigos mais próximos. Antes de morrer, Mujica manifestou o desejo de ser cremado, e suas cinzas enterradas ao lado da cadela Manuela, na chácara nos arredores de Montevidéu.
Perfil
José Mujica, ex-presidente do Uruguai, morre aos 89 anos
Jornal Nacional/ Reprodução
Um dos maiores políticos da história contemporânea, José Alberto Mujica Cordano, conhecido com Pepe, nasceu em 1935. Amava seu sítio nos arredores de Montevideo, seus bichos e a natureza. Era florista de profissão. Filho de pequenos agricultores, perdeu o pai ainda menino e se tornou um jovem indignado com a pobreza e as desigualdades sociais.
O Uruguai ainda era democrático quando Mujica entrou para a guerrilha urbana. O Movimento de Libertação Nacional Tupamaro se armou, assaltou e sequestrou em nome do socialismo, inspirado na revolução cubana.
Quando a ditadura foi implantada no Uruguai em 1973, ele e alguns de seus companheiros passaram a ser tratados como reféns do governo militar. Ao todo, passou mais de 13 anos na prisão, a maior parte em solitária. A tortura, o confinamento, a sede que o fez beber a própria urina causaram enorme sofrimento, mas não revolta e nem sede de vingança:
"No meu jardim, há décadas não cultivo o ódio. Que o ódio acaba deixando as pessoas estúpidas, porque nos faz perder a objetividade diante das coisas”, disse Mujica em 20 de outubro de 2020.
Pepe Mujica foi anistiado e solto com o fim da ditadura militar em 1985. Saiu da prisão profundamente transformado. Já com 50 anos de idade, retomou antigas atividades. Plantou e vendeu flores e fez ainda muito mais: ajudou a fundar um partido político, o Movimento de Participação Popular. Com 59 anos foi eleito deputado e depois foi senador, ministro da Agricultura e se tornou um dos presidentes mais velhos e mais populares do século 21. Eleito pela coalizão de centro-esquerda Frente Ampla, o ex-guerrilheiro vestiu a faixa presidencial em 2010 e deu seu recado para uma multidão:
"Derrotados são apenas aqueles que param de lutar”.
Ao fazer da política sua trincheira, Mujica se tornou um conciliador. Qualidade que exibiu em uma conversa com Pedro Bial em sua chácara em 2017:
"Entendíamos que a luta era pelo poder. Não. A luta, no sentido mais profundamente progressista, é pela civilização humana".
José Mujica, ex-presidente do Uruguai, morre aos 89 anos
Jornal Nacional/ Reprodução
Durante o mandato, o país descriminalizou o aborto, aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e legalizou a produção e venda de maconha. Depois da Presidência, Mujica se tornou senador duas vezes. Renunciou ao cargo, em 2020, durante a pandemia.
No fim de 2024, o presidente Lula foi ao sítio de Mujica entregar a ele a maior condecoração do governo brasileiro. Pepe já estava muito doente.
Em uma de suas últimas entrevistas, a um jornal uruguaio, Pepe quis deixar um recado. Disse que é fácil ter respeito pelos que pensam de forma parecida com a nossa, mas é preciso aprender que o fundamento da democracia é o respeito por quem pensa diferente.
E é para todo o mundo que Pepe Mujica deixa uma herança importante de tolerância e resistência, de crença na juventude que faz o futuro.
"A luta continua por um mundo melhor. Não ao ódio, não ao confronto. Até sempre”, disse Mujica em 19 de outubro de 2024.
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