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Mestre Damasceno: quem era o marajoara que compôs mais de 400 canções e criou o Búfalo-Bumbá


Despedida do Mestre Damasceno: ícone da cultura popular morre aos 72 anos

Mestre Damasceno, o criador do Búfalo-Bumbá no Marajó, morreu aos 71 anos nesta terça-feira (26).

A morte foi confirmada pela família, no dia em que Belém comemora o Carimbó, ritmo que Damasceno tocou durante a vida, chegando a compor mais de 400 canções. O velório dele está marcado para 16h desta terça, no Museu do Estado.

Damasceno estava internado desde 22 de junho no Hospital Ophir Loyola, onde tratava um quadro de pneumonia e insuficiência renal. Ele havia sido diagnosticado com câncer em estado de metástase no pulmão, fígado e rins. A morte foi confirmada por familiares e o Estado do Pará decretou luto oficial.

O artista nasceu em 22 de julho de 1954 na Comunidade Quilombola do Salvá, em Salvaterra, arquipélago do Marajó, uma origem que marcou sua trajetória artísticas por cinco décadas de arte.

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Neto de indígena e descendente de homem negro escravizado, viveu até os 13 anos na comunidade quilombola, onde o pai, Theodomiro Pereira dos Santos, e o avô, Antônio Paulo Pereira, organizavam manifestações populares de boi-bumbá.

Perda da visão aos 19 anos

Quando completou a maioridade, mudou-se da sede de Salvaterra para Belém em busca de melhores condições de vida.

Aos 18 anos, conseguiu emprego na construção civil, mas em três meses de trabalho, sofreu um grave acidente que o fez perder a visão aos 19 anos. De volta à casa, passou por processo de reabilitação e, no mesmo ano, recebeu primeiro título como colocador de boi-bumbá em disputa na cidade de Soure, também no Marajó.

Um sindicato de trabalhadores rurais de Salvaterra ajudou Damasceno conseguisse obter uma aposentadoria por invalidez.

Como pessoa com deficiência visual, Damasceno sempre priorizou a inclusão nos projetos dele. As apresentações dele contavam com espaços de acessibilidade, oficinas para pessoas com deficiência e elementos visuais adaptados, como os olhos brancos pintados no mini búfalo criado para o neto, representando a inclusão social das pessoas com deficiência.

Mestre Damasceno durante comemoração do seus 70 anos de idade.

Guto Nunes

Reinvenção com a arte

A perda da visão fez Damasceno virar mestre. Ele reinventou a vida por meio da arte, seguindo a tradição cultural dos familiares e se transformou numa das maiores referências da cultura popular marajoara.

Tornou-se mestre no carimbó, nas toadas, na poesia oral e criador do Búfalo-Bumbá de Salvaterra, uma manifestação junina que mescla teatro popular, cultura quilombola e elementos da natureza amazônica.

Além de criador do Búfalo-Bumbá na Ilha do Marajó, Damasceno também se destacou como compositor e cantador de toada de boi, carimbó, lundu marajoara, xote, vaquejada, chula, samba, valsa e brega. É também repentista, fazedor de rimas, poeta e artesão.

Obra e legado

Damasceno Gregório dos Santos, mais conhecido como mestre Damasceno, é um artista popular marajoara.

Marcus Passos / g1 Pará

Mestre Damasceno acumulou ao longo da carreira mais de 400 composições autorais e gravou seis álbuns, sendo considerado um símbolo de resistência e da força cultural do Norte do Brasil. A discografia dele inclui:

Salvaterra Canta Carimbó (1999)

Carimbó da Terra (2013)

Terruá Pará (2013)

Canta o Encanto do Marajó (2020)

Encontro D’água (2022)

Búfalo-Bumbá (2023)

Chegou Meu Boi (2023)

Búfalo-Bumbá: inovação cultural

Uma das maiores criações de Mestre Damasceno foi o Búfalo-Bumbá, uma variante do bumba meu boi tradicional adaptada à realidade marajoara.

A figura do búfalo-bumbá foi delineada por ele em 1989, com o Boi Bela Prenda, mas a denominação só foi dada em 2012. Em 2012, ele criou oficialmente o espetáculo que une elementos do auto do boi com a identidade marajoara e quilombola, sendo responsável pelos roteiros, figurinos e direção das apresentações.

“O Búfalo-Bumbá foi ideia minha mesmo, depois que eu vi que temos que falar sobre a nossa região. E como trabalho com a cultura popular, achei de inventar o Búfalo-bumbá, porque o búfalo é o caboclo marajoara”, ele disse à época.

Nativos Marajoara

Mestre Damasceno

Divulgação

Em 2013, Mestre Damasceno fundou o Conjunto de Carimbó Nativos Marajoara, grupo que lançou quatro álbuns com a marca registrada do artista: o carimbó pau e corda do Marajó.

O grupo é formado por Agnaldo Vasconcelos, Anderson Gonçalves, Arivaldo Pampolha, David Santos, Emerson Miranda, Francisco Junior, Ivanelson Trindade e Naldo Modesto.

Reconhecimento

A trajetória de Mestre Damasceno foi amplamente reconhecida por diversas instituições. Seus principais prêmios e honrarias incluem:

1973: Primeiro título aos 19 anos como campeão de colocador de Boi-Bumbá no município de Soure

2009 e 2017: Dois prêmios da Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural do extinto Ministério da Cultura

2015: Prêmio Mestre da Cultura Popular do Estado do Pará (SEIVA) pela Fundação Cultura do Pará – Tancredo Neves

2017: Reconhecimento como mestre de carimbó pelo Instituto do Patrimônio, Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

2023: Declaração de sua obra como patrimônio cultural imaterial do Estado do Pará

2025: Ordem do Mérito Cultural (OMC), a mais alta honraria concedida pelo Ministério da Cultura

Projeção nacional

Mestre Damasceno, na frente alegoria da Paraíso do Tuiuti, onde desfilou

Alba Valéria Mendonça/g1 Rio

Nos últimos anos, o trabalho de Mestre Damasceno ganhou projeção nacional. Em 2023, foi homenageado pela escola de samba Paraíso do Tuiuti no Carnaval do Rio de Janeiro, que levou um enredo inspirado na chegada dos búfalos à Ilha de Marajó.

Em 2025, alcançou marco ainda maior quando uma de suas composições foi escolhida pela Acadêmicos do Grande Rio para o carnaval.

O samba-enredo “A mina é cocoriô!”, uma parceria com Ailson Picanço, Davison Jaime, Tay Coelho e Marcelo Moraes, foi selecionado para o enredo “Pororocas Parawaras: As Águas dos Meus Encantos nas Contas dos Curimbós”.

Últimos acontecimentos

Mestre Damasceno

Reprodução

Em maio de 2025, Damasceno tinha sido agraciado com a Ordem do Mérito Cultural, cerimônia presidida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra da Cultura Margareth Menezes no Rio de Janeiro.

“Trago comigo tudo o que aprendi com meus pais e avós, ancestrais quilombolas. São mais de 50 anos dedicados às tradições culturais marajoaras, e hoje colho os frutos de uma vida inteira de trabalho”. Um mês depois, foi diagnosticado com câncer.

Ele chegou a ser homenageado na 28ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes em agosto, junto com a escritora Wanda Monteiro.

Uma das obras lançadas durante o evento foi “Mestre Damasceno e as Cantorias do Marajó”, de Antonio Carlos Pimentel Jr., com relatos de vida do artista para o público infanto-juvenil.

Mestre Damasceno é recebido com cortejo nas ruas de Salvaterra

Prêmios

Mestre Damasceno já ganhou inúmeros títulos. O primeiro título foi em 1973, aos 19 anos, quando foi campeão de colocador de Boi-Bumbá, no município de Soure.

Ele ainda recebeu dois prêmios da Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural, do extinto Ministério da Cultura (2009 e 2017).

Já recebeu o Prêmio Mestre da Cultura Popular do Estado do Pará - SEIVA, por meio da Fundação Cultura do Pará – Tancredo Neves (2015), e foi reconhecido como mestre de carimbó pelo Instituto do Patrimônio, Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2017).

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