Desafios na parentalidade 4.0
Com o avanço da tecnologia e o uso cada vez mais precoce de dispositivos eletrônicos por crianças, pais enfrentam o desafio de manter o equilíbrio entre o mundo digital e a conexão emocional com os filhos.
O celular virou babá, o computador, sala de aula. O Wi-Fi, praticamente um integrante da família. Entre limites, birras e aprendizados, três famílias compartilham suas rotinas e estratégias para lidar com a chamada “parentalidade 4.0”.
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As histórias mostram que, apesar das realidades diferentes, todas enfrentam o mesmo desafio: manter a conexão emocional com os filhos em um mundo hiperconectado.
Regras e limites desde cedo
Na casa da família Teixeira, em Guaíba, Geise e Fabiano criam seis filhos, entre 4 e 19 anos, com regras claras sobre o uso de tecnologia. O casal optou por adiar o acesso ao celular para os mais novos, após aprender com os erros cometidos com o primogênito.
“O Pedro foi nosso ‘cobaia’. Com ele, a gente errou e aprendeu. Os irmãos mais novos estão vivendo um outro modelo. Ganhando o celular bem mais tarde”, afirma Fabiano.
Mesmo com a casa cheia, os pais priorizam momentos off-line. As crianças têm tarefas diárias e são incentivadas a brincar longe das telas. “A vida acontece na realidade, não no virtual”, reforça Geise.
Quando a tecnologia domina a rotina
Na casa dos Germano, no bairro Humaitá, em Porto Alegre, o cenário é outro. Matheus, de 8 anos, passa boa parte da manhã no celular. A irmã Melissa, de 10, prefere ler — mas em formato digital.
“A minha mãe diz que eu sou viciado. Eu acho isso injusto”, comenta Matheus.
A mãe, Ivanete, admite a dificuldade de impor limites. “Ele tem, sim, uma dependência. Quando tentamos trocar o celular por outra atividade, vem resistência, birra. E eu também uso muito, por causa do meu trabalho. Eles me veem no celular o tempo todo.”
O desafio das 48 horas sem telas e sem dizer "não"
Na casa da repórter Carolina Aguaidas, o desafio foi passar dois dias inteiros sem usar dispositivos eletrônicos e sem recorrer à palavra "não" para limitar os filhos. O desafio começou com resistência, tanto dos filhos quanto dela mesma e do marido.
"Foi mais difícil pra gente do que pra eles. Usamos as telas como uma válvula de escape, um momento de descanso para nós."
Pais enfrentam desafio de 48 horas sem telas
Reprodução/RBS TV
As primeiras horas foram mais tensas, com a negativa das crianças em aceitar ficar sem telas. Mas, aos poucos, elas entenderam que o celular poderia ser substituído por outras atividades - bem mais divertidas.
SEXTA-FEIRA, 21h - A Noite Chega... E com ela, a Tentação das Telas
É hora de colocar as crianças para dormir, mas a tentação é grande. “Vamos ver um desenho antes de dormir?” surge como uma sugestão quase inevitável.
Carol e o marido tentam resistir. Em vez de desenhos, optam por histórias, e assim a noite vai se passando mais tranquila do que o esperado. “A gente achou que seria difícil, mas agora está tudo bem. Eles estão dormindo e nós também conseguimos descansar, mesmo sem as telas por perto”, conta Carol, aliviada, enquanto observa seus filhos adormecendo.
SÁBADO, 07h30 - O DESAFIO CONTINUA
Acorda-se com o som de crianças animadas para o café da manhã. A tradição familiar de sábado está mantida, sem distrações digitais.
Em clima de brincadeira, as crianças ajudam a preparar as panquecas, e Carol percebe como esse tempo de “desintoxicação digital” tem sido bom para a convivência. “Confesso que talvez este desafio seja mais difícil para nós, adultos, do que para as crianças. Eles não estão pedindo celulares e estão brincando muito mais do que se estivessem na frente da TV”, reflete.
SÁBADO, 14h - A TENTATIVA DE MANTER A CALMA
Mas nem tudo são flores. Gabriel e Isabela, em um momento de disputa por brinquedos, fazem a mãe suar frio. "Gabi, vamos fazer de outra forma, ao invés de passar por cima do brinquedo da mana?" Carol tenta desviar o conflito, sem usar a palavra "não", mas a situação se complica. O resultado? Gabriel no berço, para "refletir" sobre o ocorrido.
SÁBADO, 18h30 - 24 HORAS SEM TELAS
Após 24 horas de desafio, Carol faz um balanço. “Já estamos há mais de 24h sem TV, sem joguinhos e sem celulares. Como foi? Até que foi legal, viu?” diz Isabela. A família ainda está no ritmo, mas a falta de telas começa a ser sentida de maneira diferente pelos adultos.
SÁBADO, 21h - SEGUNDA NOITE SEM TELAS
Enquanto a noite chega, a rotina segue com o que a família tem de melhor: histórias. As crianças escolhem livros e Carol lê para eles na cama.
DOMINGO, 8h - O COMEÇO DE UM NOVO DIA
O domingo chega com a tradicional preparação de panquecas, e Carol reflete sobre como as crianças estão mais ativas e criativas sem as distrações digitais. “Hoje, Gabi vai ajudar no café. Vamos ver o que conseguimos fazer juntos sem as telas!”.
Entre brincadeiras, idas ao parque e tardes sem celular, a família aproveita ao máximo o tempo juntos, mesmo sem o auxílio de qualquer dispositivo digital.
DOMINGO, 17h - REFLEXÕES FINAIS
Ao fim de mais um dia, Carol admite que, para ela, o desafio foi muito mais difícil do que para as crianças. “Elas não estão pedindo celular e estão brincando mais do que jamais brincariam. Para nós, as telas acabam sendo uma válvula de escape. Mas é muito bom estar aqui, junto com eles, sem distrações.”
DOMINGO, 20h - FINALIZANDO O DESAFIO
E o desafio chega ao fim. “Foi divertido, foi bom. Acabamos brincando mais e passando mais tempo juntos. E, apesar de eu estar com vontade de colocar um desenho para eles, para nós pais conseguirmos descansar, a experiência valeu a pena”, diz Carol, com a sensação de missão cumprida.
A repórter reflete sobre como o desafio de desconectar foi uma maneira poderosa de reconectar sua família, e o mais importante: o vínculo emocional foi preservado. “Esse tempo foi valioso para todos nós. Se tiver que repetir, eu topo!”
O fim de semana sem telas não foi apenas um exercício de resistência para os adultos, mas uma chance de resgatar momentos simples e prazerosos. Um lembrete de que, às vezes, a melhor maneira de criar é estar presente.
O que dizem os especialistas? 📚
O pediatra Daniel Becker, criador do conceito de Pediatria Integral, alerta que o impacto das telas no desenvolvimento infantil é profundo.
“O cérebro da criança está em formação. As experiências do mundo real — sociais, emocionais, físicas — são insubstituíveis. A tela não promove desenvolvimento.”
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda os seguintes limites:
Sem telas antes dos 2 anos
De 2 a 5 anos: até 1 hora por dia, com supervisão
De 6 a 10 anos: até 2 horas por dia
Segundo a SBP, o uso excessivo de telas pode causar ansiedade, atrasos de linguagem, distúrbios do sono, isolamento social e queda no rendimento escolar.
Pais enfrentam desafio de 48 horas sem telas
Reprodução/RBS TV
Não usar o “não”?
Parece impossível, mas há uma razão por trás da proposta.
“Dizer 'não' ativa na criança um impulso de desafio. É mais eficaz redirecionar: ‘isso machuca, vem ver isso aqui’. É uma forma de impor limites sem provocar uma reação de confronto”, explica Becker.
Uma conexão que vai além do Wi-Fi 🔌
A educadora Sabrina Passos, mãe da Cora, de 5 anos e cofundadora do projeto Conectados e Protegidos, defende o uso consciente da tecnologia a partir de acordos familiares.
“A internet é como uma festa estranha com gente esquisita. Você deixaria seu filho ir sozinho? Pois dar um celular sem acompanhamento é a mesma coisa.”
Ela reforça que o ambiente precisa ser coletivo: escola, avós e amigos devem seguir a mesma linha de orientação para que os combinados funcionem.
“O amor precisa vir com limites. As crianças precisam viver experiências reais para se desenvolverem”, diz Daniel Becker.
A principal conexão, dizem os especialistas e pais, ainda é — e sempre será — a emocional.
VOCÊ CONSEGUE?
Topa o desafio de 48 horas sem telas e sem dizer “não” em casa? Compartilhe com a hashtag #DesafioSemTela e conte como foi sua experiência!