Baixada em Pauta: delegado Luiz Ricardo de Lara é o convidado da semana
O número de golpes digitais tem crescido exponencialmente e a cidade de Praia Grande, no litoral de São Paulo, foi escolhida como base dos criminosos que atuam nessa modalidade. Quem afirma isso é o delegado Luiz Ricardo de Lara, titular da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) e da Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (DISE) da cidade.
“Praia Grande ainda é um celeiro dessas organizações criminosas”, disse Lara, que gravou o podcast Baixada em Pauta com os jornalistas Matheus Müller e Luiz Linna, na última segunda-feira (15), horas antes do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes ser executado em Praia Grande.
Durante o programa, Lara contou sobre a carreira e os diversos crimes de repercussão nacional que investigou, como o assassinato de Fabiane Maria de Jesus (considerada por muitos a primeira vítima de fake news no Brasil), a execução do falso esloveno (era um matador de aluguel sérvio), e o homicídio cometido por um dono de restaurante em Guarujá, que matou um cliente após uma discussão por conta de R$ 7.
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Delegado Luiz Ricardo de Lara trabalhou em casos de grande repercussão nacional
Arquivo Pessoal, Reprodução e Reprodução EPTV
Morador da região, o delegado relembrou que ingressou na Polícia Civil em 1994, aos 18 anos, como investigador. Após passar por Bertioga, Santos e Mauá, onde assumiu o primeiro Distrito Policial, foi transferido para o Guarujá em 2006, onde permaneceu até 2014. Depois disso, passou pelo terceiro DP de Santos e comanda a DIG e a DISE de Praia Grande.
Praia Grande e crimes digitais
Durante o episódio, Lara afirmou que não é possível mensurar com precisão o número de golpes digitais registrados na cidade, mas que o volume é “assustador”. Segundo ele, a delegacia eletrônica facilitou o registro de boletins de ocorrência e, com isso, os casos passaram a ser encaminhados diretamente para as delegacias territoriais.
O delegado explicou que Praia Grande se tornou um epicentro nacional de organizações criminosas especializadas em estelionato eletrônico. Ele revelou que, semanalmente, equipes da Polícia Civil de outros estados, como Rio de Janeiro e Distrito Federal, estão na cidade para cumprir medidas cautelares contra grupos que atuam na região.
Lara destacou que, nos últimos anos, muitos criminosos deixaram de atuar diretamente no tráfico de drogas e passaram a investir no estelionato digital. Segundo ele, essa migração ocorre porque os golpes eletrônicos oferecem maior lucratividade e menor risco de prisão.
Para o delegado, os antigos traficantes agora operam como estelionatários sofisticados, explorando o ambiente virtual para aplicar fraudes com mais discrição e impunidade.
“Não é um crime grave sob o aspecto do que prevê a lei. Não é um crime violento, não é um crime praticado por arma de fogo. Talvez, se os antecedentes não forem tão avassaladores, nem mesmo os requisitos da prisão preventiva existam para que ele possa responder ao processo preso. Então, ele vai responder aquele processo de estelionato em liberdade”, apontou.
Caso Fabiane
Fabiane Maria de Jesus, que morreu em agressão após boato
Reprodução
O delegado relembrou o caso de Fabiane Maria de Jesus, linchada em 2014 após ser falsamente acusada de sequestrar crianças para rituais de magia negra. Segundo ele, a prisão do primeiro suspeito ocorreu por acaso, durante o cumprimento de um mandado de busca por tráfico no bairro Morrinhos, em Guarujá.
A família da vítima, que morava na região, entregou à polícia dezenas de vídeos gravados por moradores. Lara contou que a equipe da delegacia, composta por apenas cinco policiais, se dividiu para analisar as imagens e identificar os agressores. “Foi um trabalho de formiguinha”, disse.
O delegado também comentou o papel de uma página no Facebook que hospedou um comentário com um retrato falado e acusações infundadas contra Fabiane. Ele explicou que, apesar da gravidade da publicação, não havia e ainda não tem legislação específica para responsabilizar penalmente o autor da postagem.
Caso do falso esloveno
Polícia Civil descobriu que homem executado na frente da esposa era sérvio procurado pela Interpol
Reprodução
Outro caso marcante citado por Lara foi o assassinato de um homem que usava passaporte da Eslovênia, mas que, após investigação, foi identificado como um matador de aluguel sérvio, foragido por homicídios múltiplos em Montenegro. O crime ocorreu em Santos, em uma área residencial próxima ao canal 4.
O delegado contou que, após suspeitar da autenticidade do documento, entrou em contato com o consulado da Eslovênia, que confirmou que o passaporte havia sido extraviado anos antes. A identidade verdadeira foi confirmada por meio de cooperação internacional e análise das impressões digitais.
Apesar do avanço na investigação e do encerramento do inquérito, o autor do crime nunca foi localizado ou preso. “A gente tem nossas frustrações também.
Lara comentou que, apesar dos esforços e da dedicação da equipe, a Polícia Civil também enfrenta frustrações ao longo das investigações. Segundo ele, não há garantias de prisão ou de esclarecimento em todos os casos, já que a instituição não trabalha com certezas absolutas. O compromisso, como destacou, é sempre o de realizar um trabalho bem feito.
Críticas às leis
Durante o episódio, Lara fez críticas ao Marco Civil da Internet, que exige autorização judicial para acessar dados técnicos como o IP — protocolo que identifica o caminho da informação. Ele afirmou que esse tipo de dado deveria ser acessível diretamente pela autoridade policial, sem necessidade de decisão judicial.
O delegado também criticou o pacote anticrime de 2019, que tornou o estelionato um crime de ação penal pública condicionada à representação. Segundo ele, isso dificulta a investigação, já que muitas vítimas não registram boletim de ocorrência ou desistem do processo após serem ressarcidas pelo banco.
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