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Resgate de mais 500 pessoas em obra de MT inicia investigação sobre tráfico de pessoas para trabalho análogo à escravidão


Operação teve início após trabalhadores atearem fogo em protesto contra condições degradantes

MTE

O resgate de 563 trabalhadores em condições precárias de trabalho em uma construção de usina em Porto Alegre do Norte, a 1.143 km de Cuiabá, levou à abertura de uma investigação sobre tráfico de pessoas para trabalho análogo à escravidão.

Nesta quinta-feira (7), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgaram os detalhes da operação, que teve início no dia 20 de julho e revelou um cenário de trabalho degradante na construção de uma usina de etanol da empresa 3Tentos. A obra era executada pela TAO Construtora. A empresa tem quatro obras em andamento no estado, com cerca de 1,2 mil trabalhadores, sendo a unidade de Porto Alegre do Norte a maior delas.

O g1 entrou em contato com as duas empresas, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

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De acordo com o MTE, a empresa não conseguiu preencher as vagas com mão de obra local e, por isso, adotou uma estratégia de recrutamento em estados do Norte e Nordeste, principalmente no Maranhão, Pará e Piauí.

Conforme a investigação, os trabalhadores eram atraídos por meio de anúncios veiculados em carros de som e mensagens compartilhadas em grupos de WhatsApp, com promessas enganosas de altos ganhos com horas extra (entenda mais abaixo).

Segundo o MPT, os fiscais foram até o local após um incêndio nos alojamentos provocado pelos próprios trabalhadores como forma de protesto contra a falta de água potável e energia elétrica. Após o incêndio, foram registradas 18 demissões por justa causa, 173 rescisões antecipadas de contratos e 42 pedidos de demissão. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os pertences pessoais no incêndio.

🤝As contratações e jornada de trabalho

Muitos trabalhadores relataram ter pago valores a intermediários para conseguir a vaga e arcaram com os custos da viagem e alimentação. Em outros casos, a empresa cobriu as despesas da viagem, mas os valores foram integralmente descontados dos salários, prática considerada ilegal e abusiva que transfere aos trabalhadores o risco do empreendimento.

Aqueles que não passavam nos exames admissionais ou eram rejeitados no processo seletivo, ficavam sem recursos para voltar para casa.

Outro ponto grave foi a descoberta de um sistema paralelo de controle de jornada, conhecido como “ponto 2”. Nele, eram registradas horas extras que não constavam nos controles oficiais. Esses pagamentos eram feitos em dinheiro vivo ou cheques, sem registro em contracheque, recolhimento de FGTS ou contribuições previdenciárias.

Os auditores ouviram relatos de operários que trabalhavam semanas seguidas, inclusive aos domingos, sem qualquer folga, em total descumprimento da legislação trabalhista. Os trabalhadores cumpriam expediente além das 8h48 diárias estabelecidas, com turnos que chegavam a 22 horas.

As horas extras não eram registradas formalmente, os pagamentos eram feitos “por fora”, em dinheiro ou cheques, sem registro em folha, o que caracteriza sonegação fiscal. Além disso, essas horas extras prometidas na contratação, faziam parte de uma falsa promessa de altos rendimentos.

A alimentação também era alvo de denúncias. Os trabalhadores recebiam comida repetitiva, com relatos de larvas, moscas e alimentos deteriorados. O refeitório não tinha ventilação, o que forçava muitos a comerem em pé ou fora do local destinado às refeições.

O Ministério Público do Trabalho está em processo de negociação de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a empresa, para garantir o pagamento das rescisões e outros direitos dos trabalhadores.

Condições precárias identificadas na obra:

Alojamentos

Dormitórios com apenas 12 m², abrigando até quatro pessoas por quarto

Ausência de ventilação adequada e climatização

Apenas um ventilador para quatro trabalhadores

Superlotação: alguns operários dormiam no chão, sob mesas, por falta de camas

Colchões velhos e de má qualidade, cobertos apenas com lençol fino

Ausência de travesseiros, fronhas e roupas de cama adequadas

Falta de espaço para armazenar pertences pessoais

Infraestrutura e saneamento

Falhas no fornecimento de energia elétrica, o que interrompia o abastecimento de água dos poços artesianos

Banhos tomados com canecas, em razão da falta de água

Longas filas para banheiros sujos

Após incêndio, uso de água turva retirada do Rio Tapirapé, imprópria para consumo

Condições de trabalho

Canteiro de obras com excesso de poeira, ambientes sem ventilação e refeitórios inadequados

Falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) para manipulação de produtos

Ocorrência de acidentes de trabalho não comunicados oficialmente

Relatos de lesões nas mãos e nos pés e doenças de pele

Ausência de emissão das Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs), impedindo acesso a benefícios do INSS e atendimento médico

Mais de 500 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/Ministério Público do Trabalho

O que é trabalho análogo à escravidão?

O Código Penal define como trabalho análogo à escravidão aquele que é "caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou seu preposto".

Todo trabalhador resgatado por um auditor-fiscal do Trabalho tem, por lei, direito ao benefício chamado Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado (SDTR), que é pago em três parcelas no valor de um salário-mínimo cada.

Esse benefício, somado à garantia dos direitos trabalhistas cobrados dos empregadores, busca oferecer condições básicas para que o trabalhador ou trabalhadora possa recomeçar sua vida após sofrer uma grave violação de direitos.

Além disso, a pessoa resgatada é encaminhada à rede de Assistência Social, onde recebe acolhimento e é direcionada para as políticas públicas mais adequadas ao seu perfil e necessidades específicas.

⚠️ COMO DENUNCIAR? - Existe um canal específico para denúncias de trabalho análogo à escravidão: é o Sistema Ipê, disponível pela internet. O denunciante não precisa se identificar, basta acessar o sistema e inserir o maior número possível de informações.

A ideia é que a fiscalização possa, a partir dessas informações do denunciante, analisar se o caso de fato configura trabalho análogo à escravidão e realizar as verificações no local.

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